domingo, 25 de abril de 2010

meninos descalços






















Primeira Memória.
Não me lembro da cara. Só me lembro dos pés. Uns pés pequeninos, magros, tisnados pelo sol. Era o dia 7 de Outubro, dia do início do ano lectivo e o menino, uma saca de pano na mão, tal como os outros aguardava.
Foi o directos que abriu a porta e os chamou um a um.
Quando chegou a vez ele, olhou-o de alto a baixo. Depois virou-se para a mãe e disse:
- O rapaz não pode entrar descalço. Vá a casa calçá-lo e traga-mo cá depois.
Respondeu a mulher que isso não podia fazer. O menino não tinha sapatos. Tivera uns, mas já não lhe serviam, pois crescera muito durante o Verão. O seu marido estava sem trabalho e por agora não arranjava maneira de comprar sapatos novos à criança.
Nem ela nem o pai sabiam ler nem escrever, mas queriam muito que o menino aprendesse. Que, por favor, o deixasse ficar mesmo assim. Talvez fosse só uma questão de semanas.
O director respondeu que achava bem que o rapaz aprendesse, mas a lei era a lei e ele não podia fazer nada; que visse ela como conseguia resolver o problema.
A mãe pegou na mão da criança e partiram os dois de cabeça baixa.
Eu, da porta da sala ao lado (a da aula do sexo feminino), fiquei a vê-los.
O chão era empedrado, mas parecia-me que o menino ia deixando pegadas a marcar o caminho do seu retorno à lezíria.
Esse tempo existiu. E eu nunca vou esquecer.

Manuela Castro Neves. Da Vida na Escola.

Sem comentários: